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quarta-feira, 3 de março de 2010

A construção de conceitos históricos: a Evolução Humana e relevância dos estudos históricos.
Profª. Ma. Analice Rocha de Araújo

O homem é objeto de estudo de diversas ciências. Buscamos nos entender, nos explicar: “Por que nos comportamos de determinadas maneiras?”, “Quais os limites do nosso corpo?”, “Quais substâncias nos fazem bem ou mal?”. São inúmeras nossas inquietações e indagações. Entre elas, a questão “Como chegamos até aqui?” fundamentou pesquisas em diversas áreas do conhecimento humano.
Entendendo que o conhecimento não é estático e que as ciências estão sempre buscando o novo (as descobertas), vivemos um processo dialético constante, onde o que está posto é passageiro e mutável. É assim com o conhecimento histórico. As “verdades” postas pelos historiadores podem ser reformadas ou derrubadas e novas “verdades” surgirão. Acrescente-se ainda que os historiadores são, como qualquer ser humano, sujeitos a paixões, tornando o seu trabalho reflexo de sua visão de mundo.
As ciências cruzam-se, isolam-se, cruzam-se novamente, num movimento de constante busca quanto ao entendimento de nós mesmos. A ciência História, que tem o homem como objeto de estudo, assim como outras ciências, estudou a Evolução Humana.
Segundo Darcy Ribeiro ainda não há um esquema global das etapas da evolução sociocultural que se baseie no que a arqueologia, a etnologia e a História tem produzido recentemente como conhecimento. Significa dizer que não há um modelo único que explique a evolução humana.
A historiografia tem colecionado alguns modelos conceituais a cerca da evolução humana. Para explicar o início da história da humanidade foram criados conceitos como o de Pré-história e Sociedades Ágrafas. Hoje o conceito “Pré-história” é bastante questionável por deixar subentendido que História só existe a partir da escrita, negando aos homens das sociedades ágrafas o seu papel como ser histórico. Outro argumento contrário é o de conceituar como “Pré-história” um determinado período a partir da observação em um determinado espaço geográfico, quando se observam características de evolução sociocultural semelhantes entre grupos humanos em tempo e espaço distintos. Portanto, muitos historiadores tem preferido usar o conceito “Sociedades Ágrafas” em um determinado tempo e espaço definidos, e, a partir daí, passam a estudar, assim como outros cientistas (antropólogos, arqueólogos, etnólogos, etc.), a organização socioculutural e sua evolução.
Esse modelo que estabelece o advento da escrita como critério para se estabelecer a existência da civilização, foi criado por Lewis Morgan e publicado em 1877. Por esse modelo seria possível dividir a história uniformemente em três etapas gerais da evolução: Selvageria, Barbárie e Civilização. Em 1884, Friedrich Engels, inspirado pelas concepções marxistas, reelaborou o modelo de Morgan, definindo um tipo histórico de sociedade a partir da análise da combinação do modo de produção, da organização social e de concepções ideológicas . Nesse modelo ficaram definidas cinco formações: comunismo primitivo, escravismo, feudalismo, capitalismo e socialismo.
Gordon Childe, na primeira metade do século XX, criou um novo modelo de análise da evolução humana partindo da análise das tecnologias de produção. Cunhou os conceitos de Revolução Neolítica e Revolução Urbana. Na primeira temos uma grande transformação ocorrida a partir da descoberta da agricultura e da domesticação de animais, e a segunda, como uma consequência da primeira levando a formação dos aglomerados urbanos (vilas, cidade, civilizações). É importante salientar que a Revolução Neolítica nem sempre determinou a posteriori a Revolução Urbana. Por esse modelo é possível se observar sociedades ágrafas em tempos históricos e espaços geográficos distintos. Podemos, por exemplo, observar aldeias em estágio neolítico na África por volta de nove mil anos antes de Cristo e da mesma forma formações desse tipo no Brasil em 1500 da Era Cristã. É um modelo mais adaptável à diversidade que é a evolução humana no planeta.
É importante salientar que todos esses modelos são conceituações criadas por estudiosos de acordo com um critério que, embora fundado em resultados científicos, foram passionalmente escolhidos.
Livres das amarras de qualquer conceito posto e provado, podemos observar que as revoluções tecnológicas ao longo da história da humanidade contribuíram para transformação das formações socioculturais.
Empregamos o conceito de revolução tecnológica para indicar que a certas transformações prodigiosas no equipamento de ação humana sobre a natureza, ou de ação bélica, correspondem alterações qualitativas em todo o modo de ser das sociedades, que nos obrigam a tratá-las como categorias novas dentro do continuum (grifo do autor) da evolução sociocultural. Dentro dessa concepção, supomos que ao desencadeamento de cada revolução tecnológica, ou a propagação de seus efeitos sobre contextos socioculturais distintos, através dos processos civilizatórios, tende a corresponder a emergência de novas formações socioculturais.
Assim, mais importante do que estudar conceitos históricos, é entender como eles foram criados e perceber como operou o funcionamento das transformações socioculturais que caracterizaram e caracterizam a evolução humana. O fogo, a roda, a agricultura, canais de irrigação, os metais, a catapulta, a pólvora, etc., são alguns exemplos prodigiosos que permitiram o surgimento de novos ordenamentos sociais, políticos, econômicos e culturais.
Alguns historiadores talvez não concordem com essa submissão da evolução sociocultural a evolução tecnológica, mas não estamos aqui propondo mais um conceito acabado e irrefutável, mas criando um ponto de discussão aberto a novas análises.
Se para alguns historiadores a Revolução Neolítica necessariamente trouxe a sedentarização, para outros uma coisa não determina a outra. Por isso tudo, não devemos aceitar os conceitos como verdades absolutas.
Durante muito tempo, aqui no Brasil, em virtude de nossa herança colonial, produzimos uma historiografia influenciada pelas conceituações européias. O tempo histórico (os grandes períodos ou idades da história) era conceituado a partir do “espaço” dominante. Assim, quando se estudava Idade Antiga, privilegiava-se o estudo das civilizações que ajudaram a formar ou que de alguma forma influenciaram no processo histórico evolutivo da Europa. Ou ainda estudávamos aquilo que os pesquisadores europeus construíram quanto ao conhecimento histórico. O estudo das sociedades ágrafas do território brasileiro antes da chegada dos portugueses é muito recente. Até a introdução das pesquisas na área, praticamente era desconsiderado o papel dos nativos americanos no processo histórico de formação sociocultural brasileira, sendo muitas vezes turvado pelo preconceito.
No século XIX, com o neocolonialismo e imperialismo, os franceses fizeram expedições pelo Egito. A região da Mesopotâmia também foi vasculhada. Percebeu-se que aí estariam povos com formações socioculturais complexas e com o registro escrito de várias situações (econômicas, culturais). Convencionou-se atribuir ao período de surgimento da escrita o conceito de período histórico, e o de formações socioculturais com instituições sociais bem definidas, e na região que vai do Egito a Mesopotâmia, de Idade Antiga ou Antigas Civilizações Orientais. Embora se faça uso da palavra “oriental”, o oriente de Greenwich (localidade do Reino Unido) ficou restrito a região citada. A China, a Índia, o Japão e outras regiões, foram excluídas dos estudos, embora sua existência com uma formação sociocultural complexa tanto quanto o Egito ou Mesopotâmia seja hoje percebido.
Hoje os estudo de história nos currículos escolares já incluem essas formações socioculturais. A problematização desses estudos torna-se necessária. Há por exemplo, pesquisas em andamento que buscam comprovar o pioneirismo chinês em grandes navegações oceânicas. Se comprovado, é derrubada a “verdade” sobre o pioneirismo português que, por enquanto, é o que prevalece.
É importante entender como e quando determinados conceitos foram construídos bem como o contexto de sua inclusão nos currículos escolares. Compreender, por exemplo, que o significado de Neolítico faz parte de uma construção conceitual para determinar uma determinada formação sociocultural independente de seu período e localização. Perceber que elementos de culturas temporal e espacialmente distantes da nossa permanecem ainda presentes e que outros se transformaram. A partir desse entendimento, lançar o olhar crítico para analisar se tais permanências e/ou mudanças foram ou são relevantes, positivas, negativas, etc., para, enquanto agentes históricos, fazermos nossas escolhas para o futuro.