Pesquisar este blog

terça-feira, 9 de março de 2010

O monstro dos meus pesadelos.

Meu pai me disse por vezes que eu não iria mudar o mundo. Provavelmente ele concordava com minhas opiniões, mas a experiência permitia que ele dissesse aquilo para mim.
Trabalho há quatro anos numa escola pública. Sou concursada. Professora por idealismo, postei crédito no meu trabalho como veículo de transformação. Ainda tenho essa crença. Mas ela está entre o equilíbrio tênue que me mantém a frente da docência e a queda em um abismo de descrença que sucumbe a classe trabalhadora a que pertenço. Vejo-me balançando os braços para trás, aos pés de um precipício, tentando me manter no alto sem cair.
Quando contava vinte poucos anos de vida e alguns poucos de docência, estagiei em uma escola pública onde havia uma personagem já cadeira cativa do desencanto. Lembro ter chegado cedo para usar o mimeografo e preparar material de apoio para os alunos, me isolando em uma sala de aula fora do horário. Aquela personagem, a quem vou chamar de monstro dos meus pesadelos, passou à porta e com um ar arrogante e profético me desafiou. Quantos anos eu passaria acreditando no sucesso da atividade docente? Perguntou-me: “Está recebendo mais que todos nós para trabalhar hora extra?” Faltou apenas romper uma gargalhada diabólica para que aquela cena se transformasse no meu maior medo profissional. Medo de trabalhar demais? Medo de má remuneração? Não! Medo de ficar igual ao monstro dos meus pesadelos, acomodada no abismo do desencanto.
Na educação pública temos concursados que estão presos a docência pública por causa da infeliz da “estabilidade”. Eles contribuem para o desencanto. Um “n” número de profissionais frustrados, que sonharam ser qualquer coisa, menos professores, e que vão buscar no emprego público “um ganha pão”. A missão devocional não abrange esses indivíduos.
Na escola em que estou localizada o monstro de meus pesadelos tomou outras formas, disfarçou-se, mas sua sociopatia continuou me fazendo identificá-lo. Quando uma vez entrei na sala de “professores”, antes de fechar a porta, esse maldito avistou um aluno e pediu-lhe carinhosamente para buscar-lhe água, no que o garoto consentiu. Ao fechar a porta o monstro mostrou-se para mim, xingando o garoto de peste e desgraça. Já sobre outra forma esbravejou que a escola não o merecia, pois era bom demais. Foi favorável a greve para não ter que ir trabalhar. Animou-se com uma briga de alunas, numa cena que Quentin Tarantino gostaria de filmar em comemoração ao aniversário do seu “Kill Bill”. As aulas foram suspensas naquele dia. Para mim foi a visão do inferno. Mas no outro dia o monstro perguntava: “não teremos briga hoje? Trabalharemos o expediente inteiro?”
Às vezes sinto pena do monstro porque é uma vítima da formação sociocultural capitalista. Mas por vezes vi a maldade em seus olhos. A mesma que está nos olhos de todo ser corrupto.
Mas nem todas as formas são possíveis ao monstro. Há os heróis que ajudam a combatê-los. A escola que trabalho tem nome de padre, mas deveria ser de Madre. Precisamente, Madre Thereza de Calcutá. Faria jus aos sacrifícios diários que a comunidade faz para ali se manter e completar sua missão educacional. Missão devocional porque salarial não passa perto. Ela é um trem desgovernado e fedorento. Há heróis que estão se cansando da rotina de batalha. O monstro ganha espaço ante ao herói quase vencido. Basta um sopro e juntos cairemos no abismo sem volta.
Meus sonhos sabem o quanto desejei uma luta gloriosa e cheia de vitórias. O quanto desejei mudar o mundo. Mas a mudança que desejei é minha, dos meus olhos. O criador do monstro não mede esforços para atrair aliados e novas formas de monstros. Ele é um galante sedutor, que faz de tudo para mostrar suas qualidades no início da conquista, mas não consegue manter sua maquiagem por muito tempo. Já é tarde! A mocinha uma vez conquistada sempre relutará em deixá-lo, mesmo reconhecendo seus defeitos pois já não mais acredita em príncipes encantados. É a Política!

Nenhum comentário:

Postar um comentário